Arroz de festa #9 - que as comuns sejam nossas heroínas
A história é a seguinte: um pai leva seu filho para pegar um autógrafo de um astronauta que fez várias viagens a lua e se tornou o herói do pai do menino quando este era criança. Fila enorme, calor, suor e o filho reclamando sem parar:
“Mas, pai, hoje qualquer bilionário vai para o espaço, isso não é nada demais” - choque de geração! Na nossa época, viajar para o espaço era algo singular, todos paravam pra acompanhar, era aquela comoção, a conversa no elevador era sobre a mesma coisa, quem foi para o espaço. Hoje é banal, desimportante.
Finalmente chega a vez do pai com o menino, o pai entrega uma foto para o astronauta autografar e se desenrola uma conversa:
“E você trabalha com o que?”
“Não é muito interessante, trabalho num escritório”
“Ah, imagino que seja chato, não é tão emocionante quanto explorar o universo” - e dá uma piscadela para o menino, que vem em defesa do pai:
“Por causa do trabalho dele, ele foi em todas as minhas apresentações na escola, por isso meu pai é meu herói”
Esse é um trecho de um exercício do Duolingo que, se eu fosse escrever, a ideia do trabalhador comum provavelmente seria uma mãe numa tarefa de cuidado pensando no trabalho remunerado (ou não) que ainda realizaria depois. Feitas as devidas ressalvas, ele me fez acordar (sim, eu faço Duolingo assim que acordo) pensando muito no livro da Angela Davis, A liberdade é uma luta constante.
Angela não cultiva heróis, ou melhor, seus heróis são as pessoas de todos os dias, que sabem que juntas, com a força popular, podem promover mudanças. Do início ao fim do livro, essa é uma temática presente.
Temos a cultura de elegermos representantes específicos pra uma determinada luta e esquecemos que eles não chegaram ali sozinhos. Sem a força do povo, sem os camaradas que andaram de mãos dadas todo o tempo com eles, que passaram tantas dificuldades quanto os próprios, não teria luta.
A ideia de um herói/heroína único, singular - pra além de não ser verdadeira - nos atrofia. Pois se há heroína, basta que esperemos por elu para nos salvar. E se ouvíssemos realmente essa mensagem da Davis? E se você abraçasse essa ideia? O que eu e você faríamos a partir da consciência de que nós somos as potências do nosso tempo?
Deixo aí essa provocação.
Paçoca:
A indicação não poderia ser diferente: A liberdade é uma luta constante (https://amzn.to/49UaeJG), da Angela Davis. O livro é uma seleção de entrevistas e palestras dela transcritos - por isso é bem fluido e rapidinho de ler, mas sem deixar de lado a profundidade. E é atualíssimo! As questões que ela traz - infelizmente rs - são problemáticas que ainda estão na ordem do dia. Depois que você ler, me conta o que achou?
Caramba! Minha pequena lista de baguncinhas:
Obcecada com: desenhar com carvão vegetal
Assistindo: Um dia - na Netflix (https://www.netflix.com/br/title/81256740)
Música no repeat: Não me entrego pros caretas - Lamparina
A ilustração dessa edição está disponível lá na colab55 (https://www.colab55.com/@milaaquelaquesabe/tiles/que-os-comuns-sejam-nossos-herois)
Um beijo e até o próximo café,
Camila Medeiros