ocê dá conta de tudo? Começo respondendo: há algum tempo desisti de dar conta. Me despi da capa de mulher maravilha e me vesti de eu mesma, com meus defeitos, limitações e delícias. Ando confortável em mim e invisto em continuar assim - sem grandes crises com minhas imperfeições.
Há pouco tempo uma pessoa querida me perguntou “como é dar conta de ser mãe e artista?” e eu respondi “pois eu não dou. Não dou conta de nada na minha vida, tá tudo fora do lugar”. E não é mentira, o dar conta no sentido de ideal estou longe e pretendo ficar. Mas, depois de ouvir isso, me preocupei de estar passando a impressão de que aqui é tudo perfeito, sabe?
Pode ser que eu transpareça uma certa tranquilidade - que de jeito nenhum tem a ver com dar conta de tudo - mas que é resultado da aceitação desse “não dar conta”. Veja bem, não é que não reclame ou não rolem frustrações, é só que estou lidando melhor com elas, estou aceitando que elas existem, abraçando o caos.
Me organizo e reorganizo com muita frequência para ter como norte as minhas prioridades e o meu mínimo desejado - que tá a léguas de distância do ideal, mas que eu elegi como o suficiente dentro das minhas capacidades. Analiso o que posso melhorar, o que tá fazendo falta e, principalmente, meu nível de satisfação e saúde. Vou sem pressa, paro quando preciso, choro pra transbordar o que não cabe.
Percebo dia após dia que a preocupação com o “dar conta” me sequestra do presente, me tira a alegria e me afasta de realmente viver a vida que eu posso. De curtir ela no que é possível. Inclusive, já falei um pouco sobre isso antes nessa edição aqui:
Nada disso vem do céu ou porque transcendi, faço terapia e acompanhamento com psiquiatra - pra além de anos de pesquisa de mim mesma. E também não acredito que não terei mais crises, a vida é impermanência e dançar com as mudanças (de rotina, de pessoas, de ideais) é um desafio que eu tô longe de achar fácil. Mas tô aberta a ele e, principalmente, alerta ao fato de que tenho limitações e o dar conta de tudo é uma ilusão que não quero cair mais.
Tenho me cobrado menos e é isso que gostaria de inspirar nas pessoas.
Paçoca
Aproveitando o gancho sobre viver, ter esperança e sonhar apesar do caos, a indicação de hoje é um livro chamado O homem em busca de um Sentido. O escritor, Viktor, criado da logoterapia, conta nesse livro como fez pra sobreviver emocionalmente nos campos de concentração. No final do livro ele fala brevemente sobre os princípios da logoterapia - que tem a ver mesmo com propósito e sentido, na visão dele, essenciais para uma pessoa se manter sã.
Esse livro me trouxe algumas boas reflexões e tem reverberado alguma coisa na forma como encaro minha vida e minha rotina. Se você ler, me conta o que achou?
Termino essa edição com um dos meus trechos preferidos desse livro, que me tocou profundamente:
“O Homem pode preservar um vestígio de liberdade e independência espirituais, até mesmo em condições tão terríveis de stress físico e psíquico. Nós, que vivemos em campos de concentração, podemos recordar os homens que iam de caserna em caserna para confortar os outros, oferecendo-lhes o último pedaço de pão. Podem ter sido poucos, mas constituem prova suficiente de que tudo pode ser tirado a um homem, menos uma coisa: a última das liberdades humanas – a possibilidade de escolhermos a nossa atitude em quaisquer circunstâncias, de escolhermos a nossa maneira de fazer as coisas.” Viktor E. Frankl. O Homem em Busca de um Sentido
Minha autonomia financeira no mundo capitalista vem da arte. Escrever e criar é minha contribuição para o mundo - mas pouco reconhecida como trabalho remunerado. Se você quer apoiar meu ofício, pode comprar uma arte minha em https://www.colab55.com/@milaaquelaquesabe ou fazer um pix de qualquer valor (qualquer valor mesmo! Até R$1,00) para mila.aquelaquesabe@gmail.com
Obrigada :)
Camila Medeiros